Mao Tse-tung (1893-1976), o guerrilheiro que derrotou o exército nacionalista de Chiang Kai-shek, em 1949, e implantou o regime comunista na China, adotou como manual tático pequeno quarteto onde estão escritos os seguintes versos: “o inimigo avança, nós nos retiramos; o inimigo acampa, nós o fustigamos; o inimigo cansa, nós o atacamos; o inimigo se retira, nós o perseguimos.”
A situação do Rio de Janeiro trouxe-me à lembrança o professor e líder revolucionário construtor da nova China, hoje considerada a segunda potência mundial.
Descontadas as barbaridades perpetradas pelo regime maoísta, é impossível deixar de reconhecer a posição de Mao Tse-tung na história.
O País desenvolvido e temível do século 21 existe em função das bases lançadas durante o período em que o governou com mãos de aço.
A antiga capital da República não guarda semelhança com a nação asiática.
É ridícula a tentativa de dar a denominação de guerrilha a três ou quatro facções criminosas lideradas por analfabetos envolvidos com tráfico de drogas, sequestros, contrabando e uso de armas de fogo.
A anárquica situação da cidade, antes dita maravilhosa, deve-se à corrupção e à incompetência de governantes que abandonaram a saúde, a educação, a segurança, a polícia e a justiça para se ocuparem, em tempo integral, do saque ao tesouro público.
Fotografias e filmes de militares com metralhadoras, fuzis e pistolas, e de carros de combate circulando por vielas densamente habitadas, bastam para nos mostrar a inutilidade do emprego de armas pesadas contra problemas gerados pela ignorância, desigualdade social, desemprego e péssima distribuição de rendas.
Somadas as crianças, mulheres, trabalhadores, policiais e bandidos mortos e feridos de ambos os lados, nos últimos meses, compreenderemos que a violência jamais será debelada por violência de parte a parte.
Segundo a imprensa, 850 das 1.025 comunidades mapeadas nas favelas da Rocinha, Santa Maria, Turano, Cidade de Deus, Jacarezinho, Mangueira, Manguinhos, Complexo do Alemão, Complexo da Maré, Acari, Parada de Lucas, Vila Cruzeiro, estão sob o domínio do Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro, Amigos dos Amigos e Milícia.
As facções jamais tomarão a iniciativa de confrontar os militares.
Como ensinou Mao, quando atacadas tratarão de recuar. Fugirão, permanecendo inertes, fundidas com o povo, à espera da volta aos quartéis. Só então retornarão ao tráfico e aos assaltos.
A mobilização de centenas de soldados custa caro ao Exército carente de recursos.
Enquanto houver perigo, os criminosos estarão refugiados nos morros ou na mata e farão de tudo para não perderem fuzis, drogas e vidas.
Em último caso, escaparão para localidades vizinhas.
Os militares submetem-se às normas da hierarquia e disciplina. O uniforme permite identificá-los à distância.
Agem no cumprimento estrito de mandado judicial, ou em legítima defesa. Como pessoas estranhas e fardadas, são vistos com desconfiança.
O projeto de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), cujo objetivo seria promover a integração das forças de segurança pública com moradores, não surtiu resultados.
As Forças Armadas acatam sem entusiasmo a ordem de ocupar favelas.
Ao se retirarem voltará a imperar a caótica situação anterior.
As pessoas de bem estarão, como sempre, entregues à própria sorte. Para sobreviverem deverão respeitar as leis não escritas das facções criminosas.
As autoridades insistem em ver a questão social como caso de polícia.
A insegurança que toma conta de Brasília, das capitais estaduais e de grandes e pequenas cidades, deixou de ser grave para se tornar aguda com o declínio da economia, a expansão do desemprego, a falência dos sistemas de educação e saúde, e a intensificação do consumo de drogas.
As cracolândias paulistanas são exemplos da incompetência do Estado.
A detenção de suspeitos e a apreensão de certo número de armas não justifica a mobilização de militares.
Para se conseguir mais do que isso seria necessário invadir comunidades, arrebanhar suspeitos, revistar milhares de barracos, missão desumana e inaceitável.
Com a volta aos quartéis, a situação regressa à estaca inicial.
Devorado pela corrupção, o Rio de Janeiro não dispõe de recursos para enfrentar a questão social e, simultaneamente, cuidar da preservação da segurança. Como sair do impasse?
Desconheço alguém que saiba.
Correio Braziliense, 11/10/2017, pág. 11.