Somos todos irmãos?

Em 2017, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou em outubro que o Brasil havia contabilizado 61.619 mortes violentas intencionais, o maior número já registrado no país. Foram sete pessoas assinadas por hora, um aumento de 3,8% em relação ao ano anterior. A taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes ficou em 29,9%. Nas ações policiais entre 2009 e 2016, 4.224 pessoas perderam suas vidas; grande é a violência contra os negros, a cada 100 vítimas de homicídios, 71 são pessoas negras. No ano de 2016, 4.657 mulheres foram assinadas, uma morte a cada duas horas; houve 49.497 ocorrências de estupros, sendo que em Capivari, segundo a equipe diocesana da Campanha da Fraternidade, ocorreram 15 estupros. Contabilizando todos os dados, percebe-se que o Brasil registrou mais vítimas de mortes violentas intencionais em cinco anos, do que a guerra na Síria no mesmo período. Segundo os dados da Segurança Pública, no final de 2017, na guerra na Síria, de março de 2011 a novembro de 2015, houve 256.124 mortos, no mesmo período no Brasil foram 279.567 pessoas assassinadas.
Esse quadro que revela o aumento da violência no país motivou a Igreja Católica no Brasil para a escolha do tema da Campanha da Fraternidade de 2018: “Fraternidade e superação da violência”, e o lema: Em Cristo, “vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Conforme a definição do texto base, a Campanha tem como objetivo geral: “Construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho de superação da violência”. Sofremos e estamos quase estarrecidos com a violência nos lares, no contexto social, político e econômico, bem como entre as pessoas. Não apenas com as mortes que aumentam, mas também por perpassar quase todos os âmbitos da nossa sociedade, de modo particular a capivariana. A ética que norteava as relações sociais está esquecida. Hoje, temos corrupção, morte e agressividade nos gestos e nas palavras. Assim, quase aumenta a crença em nossa incapacidade de vivermos como irmãos. Daí a pergunta: ainda somos todos irmãos?
Buscando transformar esse quadro, somos todos convidados pelo tempo Kairótico da Quaresma, a mudar essa realidade através de uma conversão pessoal, pois um mundo melhor só é possível a partir de pessoas e corações novos. Novos no amor, no respeito e na compreensão mútua nas mais diversas realidades de nossa existência. A violência acontece quando o ser humano não é capaz de reconhecer o outro como irmão, neste sentido, é preciso despertar uma conversão pessoal. Cada indivíduo é chamado através desta Campanha fraterna a vencer a violência, a partir dos pequenos comportamentos do dia a dia, como nos atos de corrupção, preconceitos ou quando por palavras ou ações denegrimos a imagem do outro.
Devemos combater a desigualdade social. Pois a estrutura política, judiciária e econômica corrupta gera e perpetua exclusões sociais, deixando para trás, às margens do desenvolvimento, grande parte da população, que fica sem trabalho, educação, moradia, segurança, saúde, ou seja, carente de qualquer perspectiva de vida, o que conduz aos atos de violência. Neste sentido, percebe-se que quanto mais se aumenta a corrupção e consequentemente a vulnerabilidade social, mais se aumenta o número da violência. Na Exortação Apostólica Evangelli Gaudium – A Alegria do Evangelho – o Papa Francisco destacou que a desigualdade social gera violência: “Hoje, em muitas partes, reclama-se por maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos, será impossível desarraigar a violência”.
A superação da violência pede comprometimento e ações que envolvam toda a sociedade civil, líderes religiosos e poderes constituídos, a fim de que não somente os direitos humanos, mas também, a promoção da educação e da cultura de paz sejam assegurados pela formulação de políticas públicas emancipatórias. A Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, através da Conferência Nacional dos Bispos, convoca toda a sociedade, independentemente do credo religioso que se professa, a ver e julgar os atos e as relações consigo mesma e com o outro. Bem como agir para unir forças e desejos de paz, para que neste tempo de quaresma possamos juntos, como irmãos, que habitam uma mesma casa comum, o solo brasileiro, gestar uma sociedade melhor.
Destarte, a Campanha da Fraternidade deste ano convoca todo ser de paz e amor à vida, a viver a prática de Jesus no exercício da escuta, da saída missionária, do acolhimento, do diálogo e da denúncia da violência pessoal e social contra a pessoa humana. Tenhamos em mente que a lógica do amor é o único instrumento eficaz diante das ações violentas. O refrão do hino oficial da Campanha da Fraternidade nos faz cantar e rezar essa lógica: “Fraternidade é superar a violência! (Mt 14,1-12) É derramar em vez de sangue, mais perdão! (Jo 20, 21-23) É fermentar na humanidade o amor fraterno! (Mt 13,33) Pois Jesus disse que somos todos irmãos (Mt 23,8)”. Que o Espírito Santo, nos ajude para que em nossos atos e palavras possamos tomar posse desta verdade.


Pe. Aparecido Barbosa Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima