O reinado incomum

O tempo natalino constitui alguns dos maiores e mais conhecidos paradoxos presentes na humanidade: a aguardada espera de um Salvador que morrera de forma trágica; o anseio de um Rei em nascer em meio à pobreza; um Deus que se contenta com o simples e que não busca ser servido; e, finalmente, a comemoração realizada em todas as casas pelo nascimento de um Menino que não tinha lar.
A tradicional festa natalina, bem como todo preparo para tal dia, surgiu aproximadamente entre os séculos II d.C e IV d.C., e vem se aprimorando constantemente, gerando assim um acúmulo de informações e paralelos até resultar no que conhecemos atualmente. Ainda assim, após alguns séculos, temos costumes e princípios provenientes de heranças culturais.
Bolas amarelas e douradas, árvores verdes e brancas, guirlandas nas portas, sinos, presépios e ceias: nenhum destes objetos seriam tão especiais se não possuíssem significados tão presentes e condizentes com o tempo vivido. Assim sendo, igrejas, famílias, praças e cidades sentem a necessidade de elevar os olhares e corações ao alto, de forma que cada item possa servir como sinal de que a beleza nas ruas indica que o Belo nascerá entre nós!
Apesar destes detalhes serem tão chamativos, o espírito natalino não se finda apenas na lembrança do nascimento de Cristo, nem mesmo em decorações de lares e vias públicas: o verdadeiro sentido do Natal precisa vir de dentro: corações abertos para acolher ao próximo; famílias empenhadas em lutarem pelo perdão e pela paz; pessoas dispostas a se solidarizarem umas com as outras, a fim de buscarem exercer hoje o que o próprio Cristo fez. Afinal, não tem sentido comemorar a vinda de um Deus se não formos capazes de vivermos com os olhos nas atitudes dele.
Mas, como? Como buscar assemelhar-se a alguém que tanto sofreu? Como renunciar as grandezas presentes atualmente em prol da simplicidade? Como viver de forma que o servir seja constante?
“Os filhos dos príncipes nascem em quartos adornados de ouro; preparam-lhes berços incrustados com pedras preciosas e mantilhas preciosas; e fazem-lhes cortejos os primeiros senhores do reino. E ao Rei dos Céus prepara-se uma gruta fria e sem lume para nela nascer, uns pobres panos para cobri-lo, um pouco de palha para leito e uma vil manjedoura para colocá-lo.*” Palhas ditosas! Panos gloriosos! Gruta sagrada! Tudo isso servindo de trono para que o grande Rei pudesse aqui habitar!
O triunfo do Salvador acontece escondido: a glória do menino Jesus se camuflou de pobreza, de miséria, de vergonha e de Cruz! E, se não pudermos ter a ciência de que contemplar o nascimento significa também abraçar a simplicidade, nossas comemorações serão vazias e findarão após algumas horas de ceia. Os paradoxos do nascimento de Cristo estão presentes ainda atualmente, de forma que a maior e mais completa vivência do sentido do Natal ainda pode ocorrer na simplicidade de um coração aberto revestido de manjedoura.

*Retirado das meditações para o Advento e Natal, de Santo Afonso de Ligório.

Filipe Pizzinatto