O poder do “se”

Diante de determinadas situações, o Dr. Ulysses Guimarães apreciava repetir o provérbio francês “avec des ‘si’, on mettrait Paris dans une bouteille”.
A expressão acode-me à lembrança ao ouvir especialistas na arte de tergiversação emitirem, com semblante circunspecto, vagas ideias acerca do imponderável.
Entrevistados sobre o momento político respondem com frases pontilhadas de “se”: se a economia reagir, se o desemprego declinar, se a taxa de juro cair, se o dólar baixar, se o mercado evoluir, se a Lava Jato for barrada, se for recebido o pedido de impeachment, se o ministro pedir vista, se o acusado delatar, se a delação for homologada, se a homologação prevalecer, se o presidente sobreviver.
O Brasil padece do pesadelo da incerteza. Em país civilizado, o povo confiaria nos políticos, nos partidos, no legislador, na magistratura.
O rotineiro emprego do “se” revela que medidas políticas, econômicas, financeiras e judiciais são tomadas para, algumas horas depois, serem desacreditadas.
O sistema jurídico-político existe para garantir segurança e tornar o futuro previsível. Não é o que se vê.
O Poder Judiciário, que deveria ser exemplo de confiabilidade, deixou de sê-lo. S. Exa. Fulano, do alto da autoridade que lhe atribui a Constituição, determina a prisão de político filmado na prática de crime de corrupção.
S. Exa. Sicrano, horas depois, com a mesma Constituição e idêntica competência, determina-lhe a soltura e lhe devolve a plenitude do mandato.
Ambos invocaram idênticas normas constitucionais e legais. Como conseguem defender posições antagônicas?
É a xarada que o povo não consegue decifrar, vítima da imprevisibilidade e insegurança presente em todos os “se”.
A confiança que deveria alimentar em relação aos tribunais desaparece, e o que lhe fica é a convicção de que o poder não está na lei, mas na caneta, na poltrona, em obscuras filigranas processuais.
Dentro da Alta Corte, a situação é bizarra. A transmissão ao vivo de julgamentos revelou, urbi et orbi, algo até então ignorado: ministros são pessoas comuns, investidas de prerrogativas excepcionais.
Diariamente, assistimos à implacável demolição de mitos. Acompanhar o desenrolar dos debates, quando vaidades e interesses indisfarçados deixam-se aflorar, desmistifica o Poder que deveria ser reverenciado, porque a ele compete preservar, como último grau de jurisdição, a integridade constitucional.
Com alguns “se” coloco Paris dentro de uma garrafa, dizia o Dr. Ulysses. Com tantos “se”, é impossível ao nível da rua, onde mora a dura realidade, acreditar que o País está prestes a retomar a vida normal.
Há um ano a imprensa advertia sobre a gravidade do desemprego e cobrava do governo medidas práticas, objetivas e, sobretudo, imediatas, para restabelecer as esperanças no combalido mercado de trabalho.
O que se fez nesse sentido? De concreto, além das reformas trabalhista e previdenciária cujos resultados dependem do “se”, absolutamente nada.
Ingressamos no segundo semestre de 2017 dentro de clima marcado pelo pessimismo.
Como chegaremos a dezembro, ao Natal, ao recesso, a 2018? Não interessam respostas que tragam, como indicativo de condição ou mera hipótese, a volúvel partícula “se”.
O povo, estarrecido diante da corrupção, já não aguenta esperar. Até os observadores mais moderados admitem ser o Brasil enorme barril de pólvora que a qualquer momento pode explodir.
Em conversas reservadas, os empresários confessam ter perdido o que lhes restava de confiança no Palácio do Planalto.
A pior das crises não está no Executivo ou no Legislativo: está no Judiciário, porque lhe cabe, quando se descrê dos demais, assumir a responsabilidade de preservar a Constituição e garantir a tranquilidade social.
Ensinou Louis Barthou, Ministro da Justiça da França, citado pelo Ministro Ribeiro da Costa, durante o julgamento do mandado de segurança e ‘habeas corpus’ em favor do presidente da República Café Filho, na crise política de novembro de 1955: “Não estou longe de acreditar que a civilização de um país se mede pela opinião que se tem da sua Magistratura, da autoridade ou do descrédito desta, do seu brilho ou de sua fraqueza, de sua imparcialidade ou de sua subserviência.
A Justiça é o símbolo e o reflexo dos costumes públicos. Cada povo tem a magistratura que merece.” (Grandes Julgamentos do STF, Min. Edgard Costa, v. 3, 368).
O Brasil exige ambiente de respeito, tranquilidade e segurança jurídica, que hoje, desgraçadamente, os Três Poderes não lhe proporcionam.