O patinho feio

A Justiça do Trabalho nasceu na Carta Constitucional de 1937 como o patinho feio do Poder Judiciário, discriminada pelo decreto-lei que a criou.
Não se lhe aplicavam as disposições constitucionais “relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça Comum” (art. 139).
O Brasil encontrava-se sob a ditadura do Estado Novo. Getúlio Vargas governava munido de plenos poderes.
O mundo estava às vésperas da segunda Grande Guerra, e o regime fascista de Benito Mussolini, parceiro do nacional-socialismo de Adolf Hitler, era olhado com simpatia.
O Partido Integralista, de Plínio Salgado, reunia adeptos entre intelectuais e setores das Forças Armadas.
Após instituir o Governo Provisório (Decreto nº 19.398, de 11/11/1930), no dia 26 daquele ano, Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, confiando à chefia da pasta ao gaúcho Lindolfo Collor (1890-1942), companheiro na Revolução de 3/10/1930. Editou, em seguida, o Decreto nº 18.482, de 12/12, destinado a limitar o ingresso, no território nacional, “de passageiros estrangeiros de terceira classe, (e) dispõe sobre a localização e o amparo de trabalhadores nacionais”.
Iniciava-se a vasta obra legislativa do Chefe do Governo, que alcançaria o ápice quando aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o Título VIII consagrado à Justiça do Trabalho, o Título IX ao Ministério Público do Trabalho e o Título X à Justiça do Trabalho.
Concebida na vigência da Carta de 1937, pelo Decreto-Lei nº 1.237, de 1º/5/1939 (Diário de Vargas, vol. II, pág. 220), como parte das comemorações do Dia do Trabalho, o Judiciário Trabalhista foi excluído da órbita do Poder Judiciário então integrado pelo Supremo Tribunal Federal, por juízes e tribunais dos estados, do Distrito Federal e dos territórios, e juízes e tribunais militares.
Competia-lhe dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, julgar inquéritos para apuração de falta grave cometida por empregado estável e resolver dissídios coletivos.
A organização da Justiça do Trabalho resultou de gesto de coragem de Getúlio Vargas.
Grandes nomes do direito comercial, como Waldemar Ferreira, não admitiam o poder normativo de que fora investida.
Consulte-se, nesse sentido, o livro O Direito Corporativo, de Oliveira Vianna, editado em 1938.
Derrubada a ditadura, em 29/10/1945, o presidente Eurico Gaspar Dutra, vitorioso nas eleições de 2 de dezembro, converteu os Conselhos Regionais e o Conselho Nacional em Tribunais Regionais e no Tribunal Superior do Trabalho, pelo Decreto-Lei nº 9.797, de 9/9/1946, abrindo caminho para que a Constituição promulgada no dia 18 remodelasse o Poder Judiciário acolhendo a Justiça do Trabalho (art. 94).
Tive o primeiro contato com o TST em 22/5/1968. Encontrava-se instalado no Palácio do Trabalho, monumental e austero edifício construído no Rio de Janeiro por Getúlio Vargas. Compareci para sustentar as razões do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo em dissídio coletivo de natureza econômica.
Os trabalhadores padeciam sob a política de arrocho salarial, disciplinada pelo Decreto-Lei nº 15, de 1966. Integravam a Corte juristas da estatura de Raymundo Souza Moura, Fernando Nóbrega, Lima Teixeira, Sussekind, Russomano, Hildebrando Bisaglia.
Ingressei na Corte em setembro de 1988. Durante 13 anos convivi com magistrados do porte de Marcelo Pimentel, Prates de Macedo, Orlando Teixeira da Costa, Marco Aurélio, Guimarães Falcão, Barata e Silva, José Ajuricaba, Cnea Moreira, José Carlos da Fonseca, Waldir Righetto, Della Manna, cuja conduta pautava-se pela integridade, cultura, equilíbrio e cordialidade.
Aproxima-se o momento da troca de guarda. Neste mês, o TST ganhará nova administração.
Encerra-se o mandato do presidente Ives Gandra, substituindo-o João Baptista Brito Pereira. Ambos são originários do Ministério Público do Trabalho.
Como vice-presidente assumirá Renato de Lacerda Paiva e a Corregedoria Geral Lélio Bentes Monteiro.
A Justiça do Trabalho padece dos reflexos da crise em que se debate o país. Recentes e vãs ameaças de extinção devem ser ignoradas.
Não é a primeira vez que acontecem.
O TST superou, com galhardia, situações semelhantes.
Afinal, conta com a confiança de trabalhadores e patrões, que dela dependem para a manutenção de espaço propício à solução civilizada de conflitos.
À nova direção do TST, desejo sucesso no decorrer do mandato.

Correio Braziliense, 12/2/2018, pág. 9.