Eleitores apáticos

Nuvens baixas e pesadas descem sobre o eleitorado. Salvo parcela estimulada por ambições pessoais, cerca de 144 milhões de eleitores quedam-se indiferentes diante do sombrio panorama que caracteriza o período pré-eleitoral.
A ausência de candidatos em condições de galvanizar o entusiasmo popular provoca o aparecimento de nomes desprovidos de carisma, expressão definida como o conjunto de dons ou qualidades excepcionais inerentes ao líder político.
Dois fatores são responsáveis pelo descrédito generalizado: a interminável onda de acusações de corrupção, e a prolixa Constituição de 1988 (CR), 99 vezes alterada, cuja lipoaspiração foi sugerida pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim.
Condenado ao degredo político pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4ª R), Lula estaria impedido de concorrer, salvo se o STF decidir pela aplicação literal do artigo 5º, LVII, da Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O texto é claro, mas não é impossível que o órgão de cúpula do Poder Judiciário entenda de maneira diferente.
Investidos da competência precípua de “guardar a Constituição” (artigo 102), diversos ministros do STF entendem que a inelegibilidade ocorrerá quando, da decisão condenatória “já não caiba recurso”, conforme provecta definição do artigo 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4/9/1942).
Até lá, haveria frontal violação de prerrogativa inscrita entre os Direitos e Garantias Fundamentais da Carta Política.
Outros ministros, revestidos de idêntica autoridade, adotam doutrina de interpretação sociológica, sistemática ou racional, para sustentar que, confirmada em segunda instância decisão condenatória de juiz de primeiro grau, o cidadão, não obstante tenha preservado o direito político de votar, teria perdido uma das condições de ser votado (CR, artigo 14, § 3º).
Com a presença de Lula na disputa, as pesquisas indicam que sobrará uma vaga para o inevitável segundo turno.
Ausente o ex-presidente, os candidatos se igualam em possibilidades. Jair Bolsonaro, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Marina Silva, enfrentam problemas semelhantes de rejeição. Outros nomes, como os dos deputados Arthur Maia, Joaquim Barbosa, Rodrigo Maia, Paulo Rabello de Castro, deverão antes se fazerem conhecer como lideranças de peso, para depois almejarem a conquista da curul presidencial.
O capitão Jair Bolsonaro empunha a bandeira do combate à corrupção, à dissolução dos costumes, à insegurança pública, ao restabelecimento da ética e da moralidade.
Geraldo Alckmin, não obstante longos anos de vida política, iniciada em 1971 como vereador em Pindamonhangaba, não consegue, dizem os adversários, superar a imagem provinciana de alguém cujos horizontes não ultrapassam os limites do Estado de São Paulo.
Com perfil conservador, experimentará dificuldades para atrair eleitores do Norte-Nordeste.
Ciro Gomes é, sem favor algum, o mais conhecido, experiente, astuto e controvertido dos aspirantes ao Planalto.
Dizem ser ele mesmo seu mais temível inimigo, pela capacidade de dizer coisas impróprias no momento errado. Álvaro Dias e Marina Silva possuem folhas corridas insuspeitas e imaculadas. Falta-lhes, porém, sólida base partidária.
Em recente fórum realizado em São Paulo, tendo como tema
A Reconstrução do Brasil, os expositores, ministros Eros Grau, Nelson Jobim, e professor Joaquim Falcão, foram unânimes quando acusaram a prolixidade da Constituição como problema de superior gravidade.
O ex-ministro Nelson Jobim, em rasgo de coragem, propôs que seja submetida a cirurgia radical de lipoaspiração, destinada a torna-la menos polêmica e mais aplicável.
O ex-ministro Eros Grau apontou o excessivo protagonismo dos atuais ministros e o elevado número de decisões monocráticas.
O professor Joaquim Falcão referiu-se ao fato de os tribunais transformarem-se em partidos, “mais do que os partidos políticos” (O Estado, 28/2/, pág. A9).
Dos candidatos à presidência da República é indispensável saber o que pensam da Constituição e da reforma constitucional.
Qual deles faria o que fez a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, enviando ao Congresso projeto de nova Constituição?
A pergunta é pertinente, mas respondê-la exige coragem.

Correio Braziliense, 3/4/2018, pág. 19.