Crime de Responsabilidade

Obediente ao princípio da igualdade de todos perante a lei, o Estado Democrático de direito não pode admitir a inexistência de responsabilidade dos agentes do Poder, eleitos ou designados, detentores de mandatos temporários ou investidos de vitaliciedade. Não era assim no Império. Prescrevia a Carta Política de 25/3/1824, outorgada por D. Pedro I: A pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: ele não está sujeito à responsabilidade alguma”. Inviolável e irresponsável, o Imperador colocava-se acima da lei.
A Constituição de 1988 determina competir ao Senado “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade” (Art. 52, II)).
Processar, julgar e decretar o impedimento de presidente da República, por crime de responsabilidade, deixou de ser fato inédito. Fernando Collor de Mello e Dilma Roussef passaram pela cruel experiência. Frequentes são as apurações de crimes comuns no primeiro grau de jurisdição, por conta da onda de imoralidade que assalta o País, agravada após a ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores. O mesmo não sucede com os crimes de responsabilidade.
Crime comum é matéria do Código Penal. Ali se encontram previstos delitos contra a pessoa, o patrimônio, a propriedade imaterial, a organização do trabalho, os costumes, a família, a incolumidade, a paz, a fé e a administração pública. Na acepção vulgar, crime é a ação cometida com dolo ou culpa, punida pela lei ou reprovada pela consciência. Leciona Hely Lopes Meirelles, no celebrado livro Direito Administrativo Brasileiro: “Responsabilidade administrativa é a que resulta da violação de normas internas da Administração, pelo servidor sujeito ao Estatuto e disposições complementares, estabelecidas em lei, decreto ou qualquer outro provimento regulamentar da função pública. A falta funcional gera o ilícito administrativo, e dá ensejo à pena disciplinar, pelo superior hierárquico”.
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não se encontram, como estiveram D. Pedro I e D. Pedro II, além do alcance da Constituição e da Lei. O Regimento Interno (RIT) preside a vida e disciplina os serviços prestados pela Alta Corte aos jurisdicionados. Para que a instituição funcione de maneira organizada e regular, o Tribunal submete-se à lei interna, desde a composição do Pleno e das duas Turmas, ate a ordem dos trabalhos durante as sessões de julgamentos. É o Regimento que fixa as prerrogativas e obrigações dos Ministros, Presidente e Vice-Presidente e que limita o tempo da sustentação oral dos advogados.
Tendo como um dos objetivos a celeridade, ao tempo em que garante aos Ministros a possibilidade de proferirem decisões com segurança, o RIT prescreve, no Art. 133, que: “Cada Ministro poderá falar duas vezes sobre o assunto em discussão e mais uma vez, se for o caso, para explicar a modificação do voto. Nenhum falará sem autorização do Presidente, nem interromperá a quem estiver usando da palavra, salvo para apartes, quando solicitados e concedidos”. O dispositivo seguinte, Art. 134, manda que: “Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente”. Ao Presidente, segundo a letra do Art. 13, III, compete “dirigir-lhe os trabalhos e presidir-lhe as sessões plenárias, cumprindo e fazendo cumprir este Regimento.”
A transmissão das sessões pela televisão revelou ao povo perplexo a rala disciplina interna. No passado as coisas talvez fossem diferentes. A indicação de Ministros, segundo critérios questionáveis, provocou resultados desagradáveis, pondo em perigo a respeitabilidade do Supremo, hoje envolvidos em discussões que trazem à lembrança debates entre despreparados vereadores.
A decisão sobre o afastamento do senador Aécio Neves, e o pedido de vista do ministro Dias Toffolli, formulado para obstruir a conclusão de julgamento em que se registrava ampla maioria de votos pela redução do foro privilegiado, trazem inquietação à sociedade, sobretudo porque já se sabe que o feito não será devolvido “até a segunda sessão ordinária subsequente”. A presidente Carmen Lúcia exigirá respeito ao Regimento, ou o ministro Dias Toffolli sentar-se-á sobre o processo indefinidamente? É a pergunta que faço.