A Constituição e o Juiz

“Qual a função do juiz? A maior, a mais elevada, a mais pura? É aplicar a Constituição” Ministro Ribeiro da Costa (1897-1967).
Neste País, onde se manuseia a Constituição (CF) como boletim periódico desprovido de autoridade, é quase inútil argumentar com o texto constitucional.
Sabedor que sou desta triste verdade farei uso, neste texto, da econômica edição adquirida na livraria do Supremo Tribunal Federal (STF), por módicos R$ 5,00.
Prescreve o artigo 5º, LVII, do Capítulo I do Título II, consagrado aos Direitos e Garantias Fundamentais, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O artigo 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4/9/1942) define: “Chama-se coisa julgada a decisão judicial de que já não caiba recurso”.
O Código de Processo Civil, por sua vez, afirma que “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (artigo 502).
O Processo Penal obedece a regras próprias, mas a execução da pena, aplicada a réu em liberdade, dar-se-á após transitar em julgado sentença que lhe imponha pena privativa de liberdade, conforme reza o artigo 674.
O inciso LVII do artigo 5º integra a família de normas constitucionais de natureza processual, objetivas e afirmativas. Relaciona-se com outros do mesmo dispositivo, em especial com os de números LIV e LV. Diz o primeiro: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Prescreve o segundo: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
A estrutura do Poder Judiciário brasileiro não se distingue pela simplicidade.
Em determinadas situações a parte pode se servir de três, quatro, cinco, seis ou sete recursos.
O normal seria o duplo grau de jurisdição. Atingir o STF, contudo, é facilitado pelo sistema processual múltiplo e confuso.
A existência de Tribunal de Justiça em cada Estado e de Tribunais Regionais Federais e de Tribunais Regionais do Trabalho exige que haja tribunais superiores destinados à uniformização de jurisprudência emanada dos tribunais inferiores.
Da uniformização estão incumbidos o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Temos, ainda, Tribunais e Juízes Eleitorais e os Tribunais e Juízes Militares (CF, Art. 92).
De primordial importância é o artigo 102 da Constituição, cujo texto prescreve: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar (….)”. Seguem-se 3 incisos, 22 alíneas e 3 parágrafos. Entre os recursos se destaca o Extraordinário, destinado a julgar causas “decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição” (inciso III, letra a).
Há na Constituição disposições que desafiam os mais escrupulosos intérpretes. Bom exemplo é o inciso III do artigo 34, que admite a intervenção da União nos Estados para “por termo a grave comprometimento da ordem pública”.
Qual o sentido da obscura frase? Temos aqui expressões de sentido ambíguo, cuja interpretação está entregue à prudência do presidente da República.
Discordo da Lei Superior ao determinar que são obrigados a se alistar e votar maiores de dezoito anos, e que poderão fazê-lo, facultativamente, analfabetos e maiores de dezesseis e menores de dezoito (Art. 14, § 1º). Creio, ainda, que se equivoca ao garantir a inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos (Art. 228).
Curvo-me, porém, como todos deveriam fazê-lo, diante da Lei Constitucional como alicerce do Estado Democrático de Direito (Art. 1º).
A Constituição padece de vícios não erradicados por 79 emendas.
Para torná-la verdadeira serão necessárias dezenas de alterações e, para substituí-la, de alguém que assuma a responsabilidade da convocação de Assembleia Nacional Constituinte, ou lidere golpe de Estado, com a restauração de regime ditatorial.
Sou favorável ao imediato cumprimento da pena nos crimes contra a vida, estupro, latrocínio, extorsão mediante sequestro, desvio de dinheiro público, e outros de igual gravidade. Não é, todavia, o que ordena a Constituição, cuja reforma, conquanto improvável, já se faz necessária.
No caso do inciso LVII do artigo 5º da Lei Superior, não é certo interpretá-lo em sentido oposto ao que se lê em bom português. Como diria o velho constitucionalista João Barbalho, seria injusto, injurídico e impolítico decretar a prisão de réu em ação penal, cujo acórdão, prolatado em Tribunal Regional, admita Recurso Especial ao STJ e extraordinário ao STF. Não se trata de interpretação literal do inciso LVII do artigo 5º, mas de interpretação sistemática ou conjugada, envolvendo os incisos LIV e LI, que tratam do direito ao devido processo legal e da garantia ao amplo direito de defesa.
Recusou-me a transportar para terreno pessoal o debate jurídico. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, segundo o texto do artigo 5º, I, da Constituição. Logo, o Poder Judiciário não pode julgar de forma casuísta, sob a pena de gerar insuportável ambiente de insegurança, incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Vem à lembrança frase do grande John Marshall (1755-1835), ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, para quem “O poder judicial, distinto do poder das leis, não existe.
Os tribunais são meros instrumentos das leis, e não têm vontade própria”. A advertência vale para o Brasil.