Retomo o tema do artigo anterior, relativo ao Fundo Partidário e ao Fundo de Financiamento de Campanha.
Vem à memória a frase de Raimundo Faoro: “Moeda: padrão de todas as coisas, medida de todos os valores, poder sobre todos os poderes”. (Os Donos do Poder, Ed. Globo, RJ, 3ª ed., 1976, pág. 15”. Com efeito, no mundo político tupiniquim a moeda foi santificada como medida de todos os valores, poder sobre todos os poderes.
Honra, honestidade, pudor, nada importa. Basta conhecer as fórmulas lícitas ou ilícitas, de acumular fortuna.
A construção de Brasília, para substituir o Rio de Janeiro como sede da República, exigiu dinheiro que não havia do país pobre e subdesenvolvido.
Dinheiro para a majestosa construção e transferência das máquinas administrativas, legislativas e judiciárias para a nova capital. Foi, então, liberada a inflação. O dinheiro se desvalorizou, se multiplicou e foi parar nos bolsos dos ladinos.
Inaugurava-se a idade das despesas perdulárias. Nunca mais o Brasil se reencontrou com a austeridade no gasto do dinheiro público.
Tendo as massas populares afastadas e mantidas à distância, todos os exageros puderam ser cometidos, até chegarmos à Constituição de 1988 que, por debaixo do palavreado bonito, porém vazio, acolheu a corrupção e aprofundou as diversidades sociais, políticas e econômicas.
A instituição do Fundo Partidário pela Lei nº 4.740, de 15/7/1965, aprovada no breve governo do presidente Castelo Branco (15/4/1964-15/3/1967), seria, anos depois, completada com a criação do Fundo de Financiamento de Campanha pela Lei nº 12.487, de 6/10/2017, sancionada pelo presidente Michel Temer.
O Fundo Partidário nasceu com o objetivo de transferir dinheiro do Tesouro Nacional à Aliança Democrática Nacional (Arena) e ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Com a dissolução dos partidos tradicionais, pelo Ato Institucional nº 2, o regime militar sentiu-se obrigado a criar e sustentar, com recursos públicos, duas organizações de aparência partidária. Tentava-se imprimir falsa imagem de democracia, ao País governado discricionariamente pelas Forças Armadas.
Com recursos do Fundo, Arena e MDB se empenharam em gerar a ilusão de regime democrático. A Lei nº 9.096, de 19/9/1995, sancionada no governo do presidente Fernando Henrique, redefiniu os partidos como pessoas jurídicas de direito privado e ordenou, no art. 38, IV, que o Fundo passasse a receber “dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, a cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de 1995”. Como foi calculado esse valor? Não se sabe.
Estava descoberto o caminho das Índias. Aquinhoados com dinheiro do Tesouro Nacional, os partidos políticos foram incluídos na lei orçamentária. Para receber dinheiro, nenhum esforço seria necessário. Veja-se a redação do art. 40, parágrafo primeiro: “O Tesouro Nacional depositará, mensalmente, os duodécimos no Banco do Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral”.
Não há nada tão atraente como ser presidente nacional de partido.
Em 2022, para a União Brasil o Tesouro destinou R$ 770 milhões. Ao PT, R$ 484 milhões. Ao MDB, R$ 356 milhões. Ao PP, R$ 338,5 milhões. Ao PSD, R$ 334 milhões. Ao PSDB, R$ 314 milhões.
Quantas empresas conseguem realizar, em um ano, lucro líquido de R$ 112 milhões, doados ao PTB, ou R$ 110 milhões destinados ao Solidariedade?
Segundo o Código Civil (Lei nº 10.406/2002, art. 44) partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, ao lado das associações, sociedades, fundações, associações religiosas.
Assim também o diz a Lei nº 9.096, de 19/9/1995. Dinheiro público deve se destinar às despesas obrigatórias da União, dos Estados, Distrito Federal, Municípios e demais entidades de caráter público criadas por lei. A não ser assim, poder-se-ia permitir a instituição de Fundo de Financiamento para associações religiosas e sindicatos.
São duas as profissões mais rendosas no Brasil de hoje: dirigentes de partidos políticos e pastores e bispos de seitas radiofônicas e televisivas, de aparência religiosa.
Vivem de dinheiro fácil, isento de impostos, com ampla liberdade para gastar.
Para os partidos, o dinheiro vem do Tesouro. Para modernas igrejas neopentecostais, do povo ingênuo, a quem são propostos milagres mediante prévio pagamento.