E por falar em Saudade

Saudade ruim, que dói, que machuca, a gente esconde debaixo do tapete da memória, longe dos olhos do coração;
Saudade boa, alegre, suave, essa a gente guarda no lado esquerdo do peito;
Saudade da escola, da primeira professora, do amigo de infância, da Caminho Suave, da carteira com tinteiro e da caneta de pena;
Saudade do fogão a lenha, da chaminé, do picumã, do bule de café, do pilão e do lampião a querosene;
Saudade do coreto da praça, da praça do coreto, da banda e do footing domingueiro;
Saudade da maria-fumaça, da plataforma, do barzinho da estação, do picotador de bilhetes e do trem pagador;
Saudade da matine, da primeira namorada, do filme de bang-bang, do projetor barulhento e do lanterninha indiscreto;
Saudade da igreja matriz, da primeira comunhão, da quermesse, do quentão, do correio elegante, do leilão, da missa de domingo, do catecismo, da procissão;
Saudade do estilingue, do pião, da pipa, da bolinha de gude e do caminhãozinho de madeira;
Saudade do quintal, da horta, do chiqueiro, do pomar e da cerca de taquara; do galinheiro, do carro de boi, do lenheiro, da olaria, do entregador de leite e do verdureiro;
Saudade da costureira, do alfaiate, do sapateiro, do bazar, da vendinha, da caderneta, do chá caseiro, da curiosa e da benzedeira;
Saudade do cheiro da chuva, da enxurrada, da grama cortada, da madrugada;
Saudade da alvorada, da cerração, do orvalho, do céu azul e do pôr-do-sol;
Saudade do pega-pega, da cantiga de roda, do esconde-esconde e da cabra-cega; saudade do causo, da anedota e da história de assombração;
Saudade da lagoa, do campinho de futebol, da curva do rio, da ponte de madeira, do capim-gordura, da vassourinha e da aroeira;
Saudade de um tempo, de um momento, de pessoas e de um lugar; saudade boa, alegre, suave; saudade gostosa, que fere sem machucar.