Reforma trabalhista francesa

A velha França “serviu de inspiração e até mesmo de ideal a ser atingido”, disse alguém, ao destacar a influência da cultura francesa em sucessivas gerações de brasileiros.
Duas históricas missões nos visitaram, produzindo excelentes frutos.
A primeira, em 1816, quando D. João VI trouxe Jean-Baptiste Debret, cujas gravuras nos revelam usos e costumes do país colonial.
A segunda, em 1935, integrada pelos professores Roger Bastide, Fernand Braudel, Claude Levi-Strauss, Pierre Molberg, com o objetivo de consolidar a jovem Universidade de São Paulo.
Conquanto a nossa legislação trabalhista tenha sofrido forte influência do corporativismo italiano, não há como ignorar o número de juízes e advogados que procuram aprimorar conhecimentos jurídicos com os mestres franceses de direito laboral.
Fazer cursos de especialização em Paris é a aspiração permanente de juristas brasileiros.
Como acontece no Brasil, a classe operária francesa padece dos efeitos da globalização, da informatização, da robotização, do avanço asiático no mercado de trabalho.
Não fosse o bastante, a tradicional hospitalidade da França arrasta milhares de imigrantes e refugiados, vítimas de conflitos religiosos, da perseguição, da miséria, da impossibilidade de encontrar abrigo e serviço no país de origem.
Foi de lá, aliás, que partiram, na década de 1970, os primeiros alertas sobre as consequências da informatização.
Não estamos apenas diante de mais uma das periódicas crises capitalistas.
O desemprego, como o capital, não tem pátria; alastrou-se e atingiu países presidencialistas, parlamentaristas, monarquistas, capitalistas, socialistas, cristãos ou mulçumanos.
A França, com 70 milhões de habitantes e PIB per capita de US 36.848, integra o seleto clube dos desenvolvidos.
Já o Brasil, cuja população está na casa dos 208 milhões, com PIB per capita de US$ 8.650, faz parte dos emergentes, eufemismo usado para ocultar a condição de pobre ou subdesenvolvido.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da França é superior ao nosso, ocupando a 21ª posição e o Brasil, a 75ª, abaixo da Albânia, Líbano, México, Azerbaijão.
As notícias dão conta de que a pátria de Voltaire e André Malraux decidiu, como o haviam feito a Inglaterra e a Alemanha, enfrentar desafios da reforma trabalhista.
O velho Code du Travail oferece problemas semelhantes aos da nossa Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), caracterizada pela meticulosidade, complexidade e rigidez.
O jovem Emmanoel Macron prometeu, na campanha que o levou à presidência da República, adotar medidas destinadas a combater o desemprego, hoje da ordem de 10%.
As reformas teriam inspiração no modelo escandinavo, conhecido como “flexisseguridade”, ou seja, garantir o máximo de segurança com certo grau de flexibilidade.
As demissões seriam permitidas, e reduzidos os valores das indenizações legais.
Em contrapartida, os trabalhadores gozariam de melhor sistema de seguro-desemprego, de formação profissional contínua e recolocação profissional.
A Constituição de 1988 coloca, entre as ilusões, “a busca do pleno emprego”. É o que prescreve o item VIII, do art. 170, cujo texto diz: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”
Ora, se algo está desvalorizado entre nós é o trabalho humano. Com 13% dos trabalhadores à procura de colocação, vejo como remota a possibilidade de chegarmos, dentro de curto ou médio prazo, a menos de 4%.
Para se ter ideia do que o número significa lembro que, com mais desemprego do que no Brasil temos apenas a África do Sul, Espanha, Montenegro, Jordânia, Croácia e Chipre.
A ideia de fazer o contrato de trabalho mais flexível está presente na Lei nº 13.467, de 13.7.2017. A reforma encetada pelo presidente Michel Temer guarda semelhança com medidas desejadas pelo presidente Emmanuel Macron.
Nos próximos meses, saberemos se alcançou sucesso. Em ambos os casos, a recuperação do mercado, em ambiente internacional desfavorável ao modelo tradicional de contrato, exigirá outras providências, talvez mais ousadas.
A ampliação do mercado de trabalho não é mero ato de vontade política. Exige grandes investimentos, competência e audácia, que façam do Brasil forte competidor no cenário mundial.
Dos candidatos à presidência da República, o povo deverá cobrar projetos concretos nessa direção. Basta de demagogia populista.


Correio Braziliense, 15/9/2017, pág. 11.