“O ENTARDECER”, de LUÍS PEREIRA

Volta e meia chega em minhas mãos alguma coisa que me produz grande alegria e satisfação, principalmente quando se trata da literatura poética. É claro que, com a mesma alegria e satisfação, outras coisas sublimes do dia-a-dia de quem aprecia e devora tudo o que é bom para o corpo e para a alma aparecem no cotidiano.
Pois, bem. É nesse sentido que devo produzir algumas palavras ou reflexões sobre estes aparecimentos, exaltando quem os criou. É um modo que vejo e posso traduzir, através de um pequeno artigo crítico.
No caso do poema-prosa “O Entardecer”, do estimado amigo e conterrâneo capivariano Luís Pereira, poeta-advogado (ou, se acharem melhor, advogado-poeta), lembrou-me os versos livres e soltos de Walt Whitman (1819-1892), da colossal obra “Leaves of Grass (Folhas de Relva), carregada de lembranças, do próprio “eu”, vivenciado na infância penosa, mas sempre objetivando o porvir.
Como bem disse Luís Pereira, “o poema foi criado numa tarde que estava sentado no quintal da minha casa e a saudade e a lembrança da infância veio como um fluido doce para acalentar a minha tarde..”. E é isso que faz a diferença do nosso cotidiano, na reminiscência de tempos passados, guardados no nosso íntimo. O poema não é uma criação ilusória ou do feitio de algo que criou, mas que não houve o fato. Pelo contrário, o poeta descreve, em magníficos versos, o sentido de sua vida-vivida.
Reparemos, pois, na parte final do poema-prosa, quando Luís Pereira descreve o bate-bate na bigorna, cadenciado, martelando em sua cabeça de menino irrequieto e se preparando para o enfrentamento do mundo. Uma sequência enorme de descrição que se vê e se sente, como ele, no turbilhão de nossa existência, ainda de calças curtas e pés no chão.
De há muito não tenho visto tamanha descrição, grandiosa verve – produto de uma sólida formação que é próprio de quem se fez com a grandeza pessoal de um poeta-advogado, neste minha pequena, mas terna exaltação a um amigo que há muito considero, indubitavelmente, um dos grandes valores intelectuais de nossa Capivari.
Para que muitos apreciem e se vejam nas condições do poema-prosa “O Entardecer”, talvez em outras formas e dimensões, aqui reproduzo esta joia preciosa da “terra dos poetas”, que só o Luís Pereira poderia nos proporcionar:
“Voluptuoso corre solto o meu pensamento e a tarde morna vai fazendo parte da minha insensata vida… Não é a ausência do movimento das folhas das árvores que me atormenta, mas sim a saudade que paira como um cisne pensador no meu peito… Buliçosas recordações do bate papo com os amigos numa noite de verão me devora aos poucos.
A bela lembrança da imagem da jovem tarde dos folguedos daqueles domingos soltos, fazem de mim apenas um espectador desse entardecer no meu quintal.
Não tenho forças para lutar com essa saudade e, nem desejo mesmo lutar, apenas me entrego como um pássaro frágil às chibatadas da ventania que me leva para lá e para cá, como um jovem viajante de trem que não se incomoda com a vibração do comboio que o chacoalha insistentemente até alcançar o fim da viagem. Já fui viril em tempos outrora e enfrentei a solidão das tardes sem você, mas resisti… As pinceladas do tempo, como mechas acinzentadas invadem os meus cabelos e, eu nada posso fazer…
Vai longe aquela tarde loura… Vai longe a tarde nas cercanias do tempo que não cessa e, que corre distorcido como um rio que abre espaço nos escombros do vales e das montanhas, como a saudade que roça o meu coração, desfigurando-o, como o dormente que torce ante o bate-bate sem trégua sob a bigorna que será estendido para levar os sonhos dos amantes pela linha férrea…
Vai longe aquela tarde loura e, então como um sonho desvaído, ainda menino de um tempo longínquo, ouço o som cadenciado do bate-bate na bigorna, que ainda insiste em martelar-me a memória a roubar-me o presente e enviar-me o passado do menino descalço… correndo despreocupadamente nas verdejantes campinas, e ouvindo o som cadenciado do bate-bate na bigorna…de um tempo um pouco distante, numa saudade que afoitamente teima em insistir, à impedir que a noite chegue no entardecer do meu quintal, numa tarde morna de um sonho desvaído, ainda menino atrevido, como o som cadenciado do bate-bate na bigorna que insistentemente, atreve a arrancar dos meus olhos cansados, uma tímida lágrima de uma bonita recordação do alvorecer da minha vida…como o desfolhar das árvores e o esvoaçar dos meus cabelos acinzentados, por meio de um fortíssimo vento no quintal da minha casa do entardecer da minha vida…”
Esse bate-bate na bigorna, também sentimos no cotidiano, cadenciado, de uma outra forma talvez, mas que ouvimos perfeitamente, enquanto esta vida não se esvai. O que nos fica sempre é a imagem, ou melhor, o som que vem de longe no bate-bate de um ferreiro, moldurando a sua arte.
O sentido produzido pelo poema é algo indescritível, mas que nos proporciona, invariavelmente, uma conexão entre estar aqui e estar numa outra dimensão – coisa tangível, principalmente para os poetas.