Aplicação da lei no tempo

Ao abandonar o projeto do presidente Michel Temer de reduzido alcance, para “se empenhar na busca de um resultado mais amplo e democrático possível”, o relator, deputado Rogério Marinho, certamente avaliou as dificuldades que seriam encontradas na aplicação da Lei nº 13.467, em vigor desde 11/11/2017, a contratos celebrados na vigência da legislação anterior e a processos em andamento.
Em ambos os casos poderá ocorrer conflito decorrente da eficácia da lei no tempo, ou disputa intertemporal entre leis.
Na lei da reforma trabalhista há dispositivos que geram direitos, outros que interpretam, alteram ou revogam normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), afetam a organização da Seguridade Social ou modificam as regras incidentes sobre o trabalho temporário e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Não estamos diante de legislação objetiva, clara e simples.
Ao dilatar o raio de ação do projeto anterior, o substitutivo fomentou controvérsias que só o tempo, a paciência e a jurisprudência permitirão resolver.
A Constituição de 1988 reproduz norma prescrita nas constituições de 1934, 1946 e 1967 (Emenda nº 1/69), quando sabiamente ordena que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI).
Evitou, como as anteriores, incorrer na fórmula imperfeita da Carta Imperial de 1824 e da Constituição de 1891, que apenas negavam à lei nova o efeito retroativo.
A lei de natureza penal também não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL).
A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lei nº 12.376/2010 – denominação atual da Lei de Introdução ao Código Civil – supriu a omissão da Carta Constitucional de 1937 ao determinar, no art. 6º, que: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
O dispositivo recebeu interpretação autêntica nos parágrafos 1º, 2º e 3º.
O primeiro define ato jurídico perfeito como “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se consumou”.
O segundo diz serem adquiridos “os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
O terceiro elucida que “coisa julgada ou caso julgado (é) a decisão judicial de que já não caiba recurso”.
Respeitáveis juristas, como Pontes de Miranda e Oscar Tenório, tentaram afastar dúvidas acerca da aplicação da lei no tempo, ou do conflito intertemporal entre leis.
Pontes de Miranda consagrou várias páginas dos Comentários à Constituição de 1946, reproduzidas nos Comentários à Constituição de 1967, sem conseguir dizer, de forma simples, como incide a lei nova sobre fatos jurídicos anteriores, salvo após o exame de cada caso concreto.
Concluiu o ilustre jurisconsulto, após torrenciais citações: “Nem todos os direitos são direitos adquiridos” (Comentários, 1963, Tomo IV, 361).
A aplicação imediata da lei é norma de direito comum destinada a proporcionar segurança e certeza à vida social, como registra Oscar Tenório (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Borsoi, RJ, 1955, pág. 193).
A CLT passou por numerosas mudanças desde 1943. Como ampliavam direitos, não suscitaram conflitos intertemporais de aplicação.
No caso da Lei nº 13.467, a situação não é exatamente a mesma.
Vejam-se as regras sobre pagamento de custas, honorários de perito e de advogado. A CLT prevê custas “pagas pelo vencido”.
Concede, entretanto, ao juiz, a prerrogativa de assegurar o benefício da justiça gratuita aqueles que perceberem salário inferior ao mínimo, ou se declararem sem condições de pagá-las, “sem prejuízo próprio ou da família”.
Como lei das leis, a Constituição prevê “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV). Estamos diante de direito que lei ordinária não tem o poder de revogar.
Quanto a honorários de perito e de advogado, a eles se sujeita o autor de reclamação posterior a 13/7/2017.
Quem o fez antes permanece sob o amparo da legislação anterior, segundo o princípio da segurança jurídica, essencial ao ordenamento legal. Interpretações rigorosas e literais poderão resultar em obstáculo ao direito constitucional de ação, indispensável ao pleno exercício da cidadania.

Correio Braziliense, 12/1/2018, pág. 11.